A Lagartixa e Eu

Pequenas criaturas que vivem no submundo das ruas e passam desapercebidas entre os pés dos transeuntes. Porque não notamos as pequenas coisas?

Hoje, andando pela rua, vi uma lagartixa no chão. Em primeiro lugar assustei-me. Pulei para trás. Depois, perguntei-me porque diabos ela estaria no chão, já que lugar de lagartixa é na parede! Em seguida parei para fitá-la. Ela era de um bege escuro e tinha pintinhas pretas. Parecia uma filha jogada no meio da calçada de pedras portuguesas. Poderia ficar horas olhando-a. Ela ali parada. E eu do outro lado a olhá-la. Porque ela não saia do meio da calçada? A qualquer momento poderia receber o solado de algum sapato a esmagar-lhe o corpo. Mas não. Durante alguns segundos, parecia que a lagartixa queria falar-me. E eu poderia escutá-la se me fosse permitido mais alguns segundos de troca entre eu, e o pequeno ser do submundo.

Muitas vezes eu também passo desapercebida entre os transeuntes. Muitas vezes eu vago pela noite a procura de alimento para alma. Muitas vezes eu me escondo durante o dia para fugir do sol, como vampira. Porque sentimos medo ou asco das pequenas criaturas do submundo?

Muitas vezes eu subo pelas paredes e chego ao teto, fico de cabeça para baixo sem ser acrobata. Muitas vezes caio. Outras me machuco... Mas a lagartixa não. Não perde nunca a aderência. Tem entre os dedos, lâminas transversais, forradas de pêlos microscópicos em forma de gancho, que prendem às mínimas saliências de qualquer superfície.