28 de fev. de 2008

Um Dia Comum - Nanda Monteiro

Flávia viajava enquanto voltava pra casa num ônibus de lotação. A chuva que caía nos vidros, a luz se acendia na cidade que se preparava para a noite. O tom cinza do céu contribuía para seu semblante pensativo. Seus pensamentos fluíam do concreto ao devaneio em questão de segundos. Depois de mais um dia de trabalho árduo não queria pensar no presente.

Encontrou por acaso com uma estrela hollywoodiana que estava passando férias no Rio. A empatia entre os dois fluiu de forma natural, e sem que os dois se dessem conta, estavam apaixonados. Mudou-se para Los Angeles com seu badalado cônjuge e, também por acaso, quando ajudava o marido a decorar suas falas, lendo o script, foi chamada fazer uma participação no filme no qual seu esposo estava atuando. Era preciso filmar a cena naquele dia, e a atriz latina que faria o papel da empregada da casa estava doente e não poderia filmar. O diretor a viu ensaiando com Clive Owen e, devido às circunstâncias, achou que Flávia seria perfeita para o papel. As três cenas em que aparecia fizeram tanto sucesso que ela foi chamada para fazer vários filmes, com personagens maiores, e acaba sendo indicada ao Oscar, mas dessa vez quem ganhou foi Cate Blanchet. Seu Casamento com Clive Owen não durou mais que dois anos, pois ela não queria ter outro filho. Casou-se pela terceira vez com Brad Pitt. Ele já tinha tido os filhos e...

- Com licença.

Um senhor interrompeu seu devaneio, querendo sentar-se ao seu lado. Flávia acena com a cabeça, concedendo seu lado no assento. Abre um pouco do vidro da janela e deixa um pouco dos pingos molharem sua face. O homem ao seu lado, um cara engravatado, fedia a cigarro. Realmente cigarro e chuva não era uma boa combinação. “O cheiro parece que fica na pele”, pensou ela.

Flávia gostava de imaginar o que as pessoas desconhecidas faziam. Logo começou a encarar o desconhecido ao seu lado e sem que percebesse iniciou uma divagação sobre a vida do sujeito. “Bom, se ele estava de terno e gravata, devia ser ou um corretor de seguros ou um advogado meia-boca”. Como já tinha certa idade, cabelos grisalhos, ficou com a segunda opção, pois se fosse um advogado renomado não estaria num ônibus às 18h.

- Posso ajudar em alguma coisa? – Perguntou o homem educadamente, depois de perceber que a moça o estava fitando.

- Não, tudo bem. – Respondeu Flávia corando, tornando a si, envergonhada.

Virou-se, pois, para a janela, deixou que o vento soprasse a sua face. O clima estava agradável. Ela gostava de chuva. Achava que as pessoas andavam mais elegantes. Abriu a bolsa e retirou seu mp3 player. Pôs os fones de ouvido e ligou o aparelho. O volume estava no máximo. Flávia deu um salto e soltou um gemido. O suposto advogado olhou para Flávia e sorriu. Flávia ignorou-o e voltou-se para a janela abaixando o volume.

Ao som de Bob Dylan, pensou no seu futuro imediato. Em coisas que queria fazer e sempre protelava. Decidida, abriu a bolsa e pegou sua agenda de anjinhos e leu o dizer do dia: “Você terá felicidade e harmonia na sua vida amorosa”. Riu da frase, pensando no que a esperaria em casa. Pensou também nos seus maridos Clive Owen e Brad Pitt. Abriu um sorriso.

Em sua agenda começou a planejar o que queria fazer. A tentar programar sua agenda para que desse tempo de efetivamente fazer tudo o que queria. “Preciso perder uns 5 kg”, pensou. E lá tascou:

6h – Academia

8h – Levar Vitor ao colégio e ir ao trabalho

18h – ir para casa.

Depois riscou tudo. Poxa acordar às 6h para ir a academia? A quem estava tentando enganar? Teria que acordar às 5 e meia! Reescreveu:

7h – Acordar, preparar café e acordar o Vitinho

8h – Levar Vitor ao colégio e ir ao trabalho

18h –ir para a academia.

Mais sensato, pensou. E assim fez toda a agenda da semana.

Guardou a agenda e seu mp3 player na bolsa.

- Com licença – falou ao sujeito engravatado, que virou de lado para que Flávia pudesse levantar-se.

Puxou a cordinha do ônibus, desceu no ponto e foi caminhando para a casa, confiante. “Agora vou começar a malhar! Ficar sarada. Ninguém me segura!”

Chegou no prédio, cumprimentou o porteiro, pegou o elevador e abriu sua bolsa procurando a chave. Chegou ao seu andar ainda com a bolsa aberta. Não encontrava a chave de casa. Depois de alguns minutos parada em frente à porta, sem conseguir entrar, finalmente achou a chave. Abriu a porta e encontrou Vitinho e Marcos sentados no chão jogando Playstation.

- Oi, tudo bom? – perguntou Marcos, sem desviar o olhar da TV.

Flávia respondeu com um resmungo inaudível. Jogou sua bolsa na cadeira, tirou os sapatos, que a estavam matando, e sem olhar para trás entrou no banheiro. Tomou um banho quente e demorado. Limpou o espelho embaçado, viu-se nele, fez algumas caretas, espremeu alguns cravos, reparou numa ruga nova que surgia ao redor do seu olho esquerdo. “Parece que esse creme não está adiantando muita coisa”, refletiu, besuntando a cara com o creme anti-idade.

Vestiu-se com o pijama e dirigiu-se a cozinha. Passando pela sala perguntou a Marcos:

- Tem alguma coisa para a janta?

- Sim. Fiz arroz. – Respondeu seu marido.

- E vocês já jantaram?

- Sim. – disse Marcos sem olhar para Flávia. – Uh! Quase fiz esse gol, hein!? – Disse passando a mão na cabeça de seu filho.

- Quase é quase! – retorquiu Vitinho – Nunca vai me ganhar! – Sorriu com olhar desafiador, olhando para o pai.

- E vocês jantaram o que? Arroz? – Voltou a perguntar Flávia, já sem paciência.

- Não. Pedimos pizza mãe.

- Hum... Bem, estou com fome. – disse Flávia dirigindo-se para a cozinha – Onde está? No Forno?

- Ué, meu bem, você não estava de dieta?

Flavia respira fundo.

- Tem um pedaço ainda na geladeira. – Grita Marcos da sala.

Flávia abre então a geladeira e encontra a caixa da pizza. Percebe um pote de iogurte entornado em cima da caixa. A idéia de comer a pizza melada com o iogurte a deixou nauseada. Decide então jogar a pizza fora e fritar um ovo para comer com o arroz. Depois do ovo pronto, percebe que não há nenhum prato limpo na casa. A pia da cozinha está digna de playground de baratas. Resolve então lavar a louça. Deixou a pia um brinco e limpou a geladeira suja de iogurte de morango. Depois de tudo feito, com o estômago nas costas, pôde, finalmente, jantar.

Abriu a panela de arroz, retirou um pedaço, pois estava tão empapado que era praticamente um mingau, põe no microondas pra esquentar. Dirige-se a sala, para ver o Jornal Nacional enquanto janta. Mas logo desiste da idéia. Marcos e Vitor ainda estavam jogando vídeo-game. Então, sozinha no balcão da cozinha, delicia-se com o mingau de arroz e ovo frito acompanhado de um copo d’água. Finda a refeição, deixa sua louça na pia. Estava cansada de lavar louça e sua mão estava fedendo a esponja velha. Nem parecia que tinha acabado de tomar banho.

Voltou à sala e percebeu que o jogo não ia terminar tão cedo.

- Vitor, você não tem dever de casa pra fazer não? – pergunta Flávia.

- Tenho, mas só pra sexta-feira! – Diz feliz, por não ter que fazer agora aquele trabalho chato de português. Preferia sempre deixar pra última hora.

Flavia então, dá-se por vencida e vai ao quarto ler um livro. Acaba adormecendo.

- Nossa, dormiu de luz acesa, foi? – Pergunta Marcos, com um sorriso meigo no rosto. – Vitinho também caiu no sono! Agora estamos só nós dois. – Diz ele, deitando na cama e abraçando a esposa.

Flávia sabe das intenções do marido. Não está nem um pouco afim. Está com sono, cansada, e ele não é nenhum Brad Pitt. Flávia estava tão cansada, que até pra retrucar os avanços de Marcos não tinha ânimo. Deixou-se então levar. Lembrou-se da frase em sua agenda e quando o Marido terminou, virou-se de lado, aliviada e dormiu.

7h o despertador toca. Sonolenta, vai ao banheiro, toma uma ducha fria, para despertar, faz a vitamina de aveia com banana para o Vitor e café para si. Acorda seu filho, que reluta para levantar-se. Diz ele que não quer tomar banho, que quer dormir mais. Flávia cede e 15 min. depois leva a vitamina para o filho na cama. Passa seu uniforme, enquanto ele escova os dentes e penteia o cabelo. 8h mãe e filho saem. Flávia deixa Vitor na escola e em seguida pega o ônibus para o trabalho.

Abre a bolsa, pega seu mp3 player, checa se não está muito alto, põe os fones no ouvido. Pega sua agenda e lembra-se que tem que ir a academia. Entra num tipo de transe, que só tem quando viaja de ônibus. Tem a idéia de procurar um cirurgião plástico, quer, além de entrar em forma, ter a boca da Angelina Jolie.

19 de fev. de 2008

Le Premier Bonheur du Jour

Venho demonstrar aqui a minha admiração por essa banda que, ao meu ver, é a melhor banda brasileira de todos os tempos e uma das melhores do mundo. Longe de passar por essa discussão acerca da volta dos Mutantes, com ou sem Rita Lee, sobre geriatras e afins, quero unicamente dividir a informação, da biografia dos Mutantes, lançada em 1995 e que ganhou reimpressão em 2006, de Carlos Calado, chamada A divina Comédia dos Mutantes. Quem tiver a oportunidade de comprar, eu recomendo porque vale a pena. Mesmo ainda estando na metade do livro. Ele conta com algumas curiosidades como por exemplo a que eu transcrevo abaixo:

Manoel Barenbein ficou um tanto perplexo ao ver Rita Lee entrar no estúdio, trazendo na mão uma bomba de Flit (um insecticida muito popular na época, que era usado com um vaporizador primitivo, pré-embalagem aerossol). Durante alguns minutos, o produtor da Philips até conseguiu fingir que tudo corria normal. Stélio Carlini, o técnico de som, já estava completando os preparativos para iniciar a gravação de Le Premier Bonheur du Jour, quando Barenbein viu aquele objeto bizarro sendo colocado junto com os instrumentos do conjunto. O produtor não conseguia segurar mais a curiosidade e quis saber o que eles pretendiam com aquela geringonça.

Muito simples: a ideia dos Mutantes era usar o ruído da bomba para substituir o som do chimbau da bateria, durante a gravação. O maestro Rogério Duprat não só adorou a proposta, como sugeriu encher a bomba com água, em vez de usá-la vazia, porque dessa forma o som podia ficar mais encorpado. Acabaram descobrindo que a água também alterava a sonoridade do inusitado instrumento - o som ideal era mesmo produzido com a bomba cheia de insecticida. Difícil foi ficar no estúdio após a sessão de dedetização sonora.



Simplesmente toque de originalidade genial dos três jovenzinhos de São Paulo.